Ela tinha tudo o que sempre
desejou.
Era nova, tinha lá seus 20 e
poucos anos e já era independente. Estudava, trabalhava, ganhava o seu próprio
dinheiro, era dona do próprio nariz. Seu sobrenome era liberdade. Morava sozinha,
não era casada e nem tinha filhos – não porque não quisesse, mas por não ter
tido a oportunidade de construir sua própria família – em compensação, a sua
casa era sempre cheia de amigos. Nunca ela estava realmente só.
Apesar de estar constantemente
rodeada das pessoas que ela gostava, no fundo ela sentia que algo ali faltava. “Cara, eu tenho tudo, por que ainda sinto
esse vazio?” se perguntava. Na verdade, ela já sabia a resposta pra essa
questão, só não tinha coragem de assumir que isso o que ela sentia tinha um
nome, um endereço e um telefone.
Já havia se passado tanto tempo.
Dois anos e nenhuma palavra relacionada ao “nós” trocada. Ambos tinham vidas
totalmente distintas. O grupo de amigos não era o mesmo e o que de vez em
quando coincidia era o fato de acabarem se encontrando no mesmo lugar, já que
moravam em uma cidade pequena.
Nesses reencontros, o máximo que
acontecia era um “Oi, tudo bem? – Tudo e você?” apenas para cumprir o
protocolo. E aquilo era tão seco... mal parecia que eles já tinham vivido uma
história cheia de romantismo. E por várias vezes foi assim. Até que um dia ela
resolveu mandar uma mensagem “Será que o
número ainda é o mesmo?" sem saber, ela digitou aquele mesmo
cumprimento de sempre e enviou.
Dois minutos depois chega a
resposta “Oiii, tô bem e você?”. Ela quase morreu quando viu, claro. Precisava
de uma análise semiótica pra saber se esse Oiii, com 3, TRÊS “is” significava
alguma alegria ou se era só coisa da cabeça dela. Depois caiu a ficha de que
ela não saberia mais o que falar, já que o cérebro estava convencido de que
aquela primeira mensagem não seria respondida. “Mas e aí? Vou só responder que tá tudo bem e o assunto acaba? Preciso
de uma pergunta, sei lá. Preciso ter algo pra dizer”. Por sorte, na mesma
hora passa na TV um comercial do filme preferido dele e esse acaba se tornando
o assunto da conversa. Falaram sobre o filme, sobre a vida, a família, o
trabalho, os estudos, até sobre o cachorro. Por um momento ela os sentiu como o
mesmo casal de dois anos atrás.
No outro dia ele quem mandou a mensagem.
Conversaram por algum tempo. Os assuntos pareciam nunca acabar e por mais que
ela tentasse se convencer de que aquilo não significaria nada, ela torcia pra
que as conversas não tivessem um fim. E assim foram passando os dias.
O que era inevitável aconteceu.
Chegaram ao assunto ‘nós’. Primeiro começaram com o que sentiam falta, os
momentos divertidos, os passeios, a companhia diária um do outro, e depois já
estavam se perguntando por qual razão não deram certo. Discutiram.
Ela se achava uma trouxa por ter
dado início a tudo “Nunca ia dar certo
isso. Eu já deveria ter imaginado que ele não tinha mudado”. Ele se achava
um idiota por ter sido grosso “Eu poderia
ter falado de outra maneira. Mas ela também não me entende. Sempre tira as
próprias conclusões e não me deixa terminar”. Os defeitos deles ainda
estavam ali. Mas o amor também.
Passaram uns dias sem se falar. Ela
queria puxar assunto, mas não sabia como começar. Sentia como se tudo estivesse
estranho. “A gente não tem nada, por quê
eu tô assim?”. Ela olhava o celular a cada meia hora (leia-se: a cada
minuto), mas nada chegava. Ele tava no trabalho, tentava se concentrar. Tinha
que escrever um texto, mas a cada parágrafo que digitava vinha a lembrança da
pergunta “Por que não demos certo?” e aí ele perdia a linha de raciocínio pelos
segundos a mais que se envolvia em pensamentos. “Eu preciso falar com ela. Mas já chega de ficar nisso só por
telefone”.
17:50 – Oi... Bom, não sei como
falar, mas acho que a gente precisa conversar. Só que tô cansado dessa coisa de
celular. Acho que seria melhor nos vermos. Pode ser?
O celular dá um sinal. Finalmente
uma mensagem! Ela vê que é dele. Sorri. Ela lembra da conversa. Respira fundo.
Lê aquelas palavras e não sabe o que responder. Ela quer ver ele, mas tá tão
nervosa que até as palavras acabam saindo erradas. Maldito corretor automático!
17:51 – Oi, tá, tudo vem. Já tô
saindo do trabalho. Passa aqui.
17:51 – Bem*
17:52 – Tá bom, tô aí em cinco
minutos. Beijo.
“AI MEU DEUS! Cinco minutos. Calma. CALMA? C A
L M A? O que ele vai falar? O que eu vou falar?
Eu não vou mais. Vou dizer pra ele que não precisa a gente fazer isso. Não, eu
vou sim, pelo menos eu já me livro logo. Mas pra quê que a gente tem que conver
15:58 – Toki.
“É. Agora não dá mais. Respira. Calma. Respira. Que dor é essa no meu estômago?
Vou beber água. Não tô com sede. Para de frescura. Aff. Eu vou.”
- Oi (ele dá um sorriso sem
graça).
- Oi, rs (ela devolve um sorriso pior
ainda).
- Olha, tu sabes como eu sou ruim
com essas coisas. Eu nunca fui muito bom em discutir a relação. Mas eu vou
falar logo porque eu já quero terminar isso.
Terminar?
- Eu sei que a gente não tem nada
há muito tempo, mas não vou negar que esses últimos dias foram bons pra mim. E
eu senti como se fosse a gente de novo, saca? Eu gosto de ti, eu sinto a tua
falta. Mas não sei se só isso é suficiente pra que a gente tentasse mais uma
vez. Então eu queria saber a tua opinião, porque eu tô pensando nisso e eu
quero te ter de novo comigo.
Ela não sabe o que dizer. Tudo o
que ela mais queria ele acabou de falar. Ela estala os dedos, mexe nos cabelos,
olha pela janela do carro porque não quer que ela veja que tá prestes a chorar.
Respira fundo e tenta ir falando aos poucos.
- Fazia muito tempo que eu pensava
em falar contigo. Não na tentativa de voltarmos, mas de pelo menos tentarmos
ter uma relação legal. Poxa, nós namoramos por tanto tempo, tu eras o meu
melhor amigo e as coisas não podiam ficar do jeito que estavam. Mas nesse meio
tempo em que andamos conversando parece que tudo voltou. Todo aquele sentimento
que eu tinha por ti ainda tá aqui. E eu fiquei com medo porque não quero me
magoar de novo. Eu sei que temos nossas diferenças e às vezes entramos em conflito
por causa disso. Mas não vou negar o que eu sinto, não vou negar que pensei em
tentar de novo.
Ele a abraçou. Ficaram ali por
alguns minutos. Ele mexia nos cabelos dela enquanto ela fazia círculos com o
dedo na mão dele. Os únicos sentimentos que os rodeavam eram os de amor e
alívio. Amor, porque foi o que sempre existiu entre os dois e alívio por
finalmente estarem juntos. Ele a afastou, olhou em seus olhos, beijou sua testa
e a boca. Ela riu, como se não acreditasse que aquilo estava acontecendo.
E realmente não estava porque, na
verdade, ela nunca enviou a primeira mensagem.
- sou dores, sou flores.
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